Linhas soltas, asas rasgadas

Freedom is just chaos with better lighting.

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quinta-feira, julho 21, 2005

Reciclando...

Rotina (Um Rapaz Solitário)

O luar brilhava nos talheres engordurados da cozinha quando o Rapaz chegou em casa. Jogando as chaves displicentemente no sofá, passou pela cabeça dele que não seria nada mal dormir um pouco. Sua cabeça latejava de tanta dor, e a sensação era de que tudo estava prestes a explodir dentro de seu atormentado cérebro. O Rapaz deu mais alguns passos através da sala e então parou.

Não acendeu a luz, pelo simples fato de não ter conseguido encontrar a porcaria de interruptor. Fez uma anotação mental de que era verdadeiramente necessário abrir um maldito processo contra as fábricas das drogas de interruptores, para que eles deixassem de ser tão discretos e quase invisíveis.

Pensou no dia terrível que tivera. Outra vez anotou mentalmente que os dias ruins deveriam ser proibidos por decreto. Em seguida sorriu, mediante o absurdo da situação. Era óbvio que tal lei nunca seria feita, já que as leis existem somente para atrapalhar as vidas das pessoas, ao invés de torná-las mais confortáveis. O sorriso do rapaz virou uma gargalhada. Estava sozinho, afinal, e felizmente seus móveis jamais seriam capazes de contar aos outros suas (tão numerosas) loucuras.

Era bom estar só. Não. Mentia. Não era bom coisa nenhuma. Porém ao rapaz bastava fingir que sentia-se em paz... Estava sob seu próprio teto, voltando de um dia de trabalho duro e alguma diversão, tinha uma namorada de cinco anos para o bem das conveniências, a qual (ao que tudo indicava) não parecia suficientemente interessada em dividir o mesmo apartamento que ele. Ademais, segundo seus cálculos deveria haver alguma comida congelada no freezer e ...

O Rapaz tropeçou em sua guitarra, ela soltou um gemido estridente. Em algum lugar deveria haver também uma pilha gigantesca de roupas para serem levadas à lavanderia, mas tudo ao seu redor parecia ter sido coberto por petróleo naquele exato momento e ele não enxergava um palmo além de seus olhos cansados. A bem da verdade, não conseguiria sequer calcular com satisfatória precisão a distância de um palmo, considerando-se o estado em que se encontrava. Esbarrou em alguns livros, os quais se espalharam ruidosamente pelo chão.

Algumas pessoas não nascem para ser sozinhas, uma vez que não conseguem cuidar de si mesmas de acordo com os padrões aceitáveis da normalidade. Outras pessoas acham natural ter manias insuportáveis, por isso têm uma certa dificuldade em entender o fato (aparentemente inexplicável) de viverem sozinhas. Outras, ainda, vêem seu mundo pouco a pouco transformar-se em um caos tamanho que a única saída é tomar um belo porre. O nosso Rapaz poderia tranquilamente encaixar-se nas três categorias anteriores.

Indo em direção ao que ele acreditava ser o caminho para o quarto, o Rapaz percebeu que estava de óculos escuros e sentiu uma leve vertigem ao tirá-los. A lua iluminava tenuamente o corredor. O Rapaz prometeu a si mesmo que nunca mais beberia novamente. Havia louça por lavar em cima da pia... e uma garrafa inteira de vinho. Deveria ele casar-se ou contratar uma empregada? A empregada. Sim, com certeza seria a melhor alternativa. Por certo a mais adequada.

A lembrança do vinho veio outra vez (teimosa e saltitante), absolutamente tentadora na mente dolorida do já tão atordoado Rapaz. A empregada. Definitivamente. Somente uma empregada seria capaz de resolver todos os seus problemas.

Os talheres haveriam de continuar sujos per seculae seculorum.

sexta-feira, julho 15, 2005

Floridas margaridas

Quase a fama
Perto a lama
Corta a grama
Chora e ama
Chuva é chama
Vem pra cama
Sonho! - exclama
Fim da trama


Morte em vida
Famosa ferida
Música perdida
Verdade despida
Borracha mordida
Papel, lápis - ida
Volta - interrompida


Respostas:
As folhas expostas
Mãos sobrepostas
De quem tu gostas?
Satisfações supostas
Dão-me as costas
A ilusão, os dons
São sons... Ou não
Sono, suprema canção

quinta-feira, julho 07, 2005

Bloqueio Criativo Temporário

(Mas Aparentemente Irreversível)

“Há quase um ano não escrevo.
Pesada, a meditação
Torna-me alguém que não devo
Interromper na atenção.
Tenho saudades de mim,
De quando, de alma alheada,
Eu era não ser assim,
E os versos vinham de nada.”
(Fernando Pessoa)


Escrevo. Quem sou eu? Uma criança recém nascida, talvez. Aquela que vem ao mundo com o frescor de uma doce manhã primaveril, ingênua para a vida e abrindo os olhinhos curiosos a um mundo que parece ansioso para devorá-la (embora ela disso não saiba).
Ou sou a enfermeira que permanece parada ao lado dos berços de um dos quartos na maternidade ensolarada, imaginando como seria bom ter filhos (uns dois ou três, quem sabe) se seu namorado resolvesse finalmente pedi-la em casamento. Mas só Deus sabe o quanto o pão custa caro nos dias de hoje, e o aluguel não é barato também.
Mas posso ser o deputado federal que votou pelas leis de ajuste no preço da farinha de trigo, ocasionando por tabela o aumento da fome no país inteiro, para famílias inteiras. Uma tremenda responsabilidade, que poderia ser apelidada de culpa, parcial ou não.
Ou ainda, sou o jovem e idealista repórter que descobriu a corrupção do tal deputado, o qual se utilizou de um pequeno desvio de verbas para garantir suas férias nos Alpes suíços. Repórter este que, mesmo sonhando em ganhar o Pulitzer em uma bela noite estrelada, nunca vai conseguir superar sua própria mediocridade.
Posso ser ainda a adolescente sonhadora que olha para aquelas mesmas estrelas contempladas pelo reporterzinho, pensando em seu amor distante (que ela não sabe se corresponde a seus sentimentos, mas de quem não consegue afastar o pensamento). A garota que vai ter ainda muitos amores, embora nenhum tão puro, e mais tarde desistirá de relacionamentos duradouros para concentrar-se na promissora carreira de atriz.
E sou também o diretor com o qual a atriz há de fazer seu primeiro filme, que arrancará dela a atuação que lhe garantirá um Oscar como coadjuvante. Um cineasta que não faz nada além de um punhado de escolhas para uma equipe de trabalhadores verdadeiramente esforçados, e que ainda assim é a pessoa a receber todo o crédito nas críticas do jornal.
Ou posso ser o leitor do caderno cultural do tal jornal, aquele que vai alegre a espetáculos de teatro regularmente, que paga seus impostos sempre em dia e lê também todas as páginas de esporte do jornal em questão, inconformado com o fato de que seu time caiu para a segunda divisão logo agora que o campeonato brasileiro prometia ser tão empolgante.
Mas minto, na verdade sou aquele senhor de idade que torce para o time oposto, o vitorioso. O velhinho pacífico, já sem família, é daqueles que ainda escuta os jogos de futebol em seu fiel radinho de pilhas, mesmo perigando sofrer um enfarto ao primeiro gol do adversário. Ele que não gosta de computadores, é veterano da Segunda Guerra, e fã de Marilyn Monroe.
Ou então posso ser o melhor amigo do velhinho, que apostou todo o dinheiro que possuía em corridas de cavalo nos anos 60. Depois disso separou-se da noiva, largou a faculdade de Direito e passou aproximadamente três anos no sofá de sua sala bebendo conhaque ao som dos Beatles, o que fatalmente ocasionou sua morte prematura aos 36 anos de idade.
Não, melhor ser o dono do bar que vendia (e ainda vende, ainda que mal) o conhaque assassino e outros venenos. Um homem um tanto quanto amargo, separado há tempos da moça argentina que o traiu enquanto ele esteve doente dos rins, durante a ditadura militar.
Por fim, hei de ser a cigana cartomante que leu em seu baralho a triste sina do marido traído. Uma mulher lendária que, diz-se, hoje alcança com grande vigor os duzentos anos de idade, e passeia tranqüila pelas ruas da Europa a vender respostas, visões, premonições... e algumas varetinhas de incenso. A mesma velhinha enrugada que continuará por lá prevendo o destino de vagabundos, bêbados, amantes e trovadores sem rumo.
E com tudo isso, ou apesar de tudo isso, não sou nada nem ninguém além de um poeta maldito, perdido em um mundo grande demais para tão poucas idéias. Um pensador que já não pensa. Um escritor que já não escreve. E que se esconde (de si mesmo?) sob o codinome de Alberto Caeiro. Fantasma trêmulo que se abriga na própria falta de versos. Na sombra pesada das palavras jamais escritas.

quarta-feira, julho 06, 2005

Boemia curta

Tenta encontrar as palavras
O poeta e seu suspiro
Finge de passarinho
O poeta e a caneta
Confere-se de mansinho
O poeta arquiteta
Percebe que foi
O poeta se fora
Pensava, tentava
O nada na estrada.
Cadê a palavra
Original?
As frases de força
Imortal?
Cadê sua folha
Bem rabiscada?
Mas não o branco
Não o branco...
Tenta encontrar escrita
O poeta medita
Diz-se manco
O poeta sem versos
Em dias adversos
O poeta e seu suspiro
Pega a arma e dá-se um tiro

sexta-feira, julho 01, 2005

Era uma vez

Um gato escocês
Que não via a hora
Do fim do mês
Para ir-se embora
Dobrar a esquina
Da vida afora
Queria outra sina
O gato infeliz...
Só estupidez!
Bem no seu nariz
(Vejam vocês)
Estava o destino
A ele acenando
Travesso menino
E o gato buscando
Tão tolo, um nada
Em trilha adversa
E esburacada
Termino a conversa
Contando até três
Isso aconteceu
Mais de uma vez
Quem sabe não sou eu
Quem sabe é Deus
E os erros seus
O gato comeu


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