Come knocking

Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- É lua nova -
E revestida de luz te volto a ver.
(Hilda Hilst)

Noite de sol

Eu e as asas que me representam
Céu aberto de cores exóticas
Um leve calor bem disfarçado
Sabor de folhas e flores dançantes
São meus olhos escorregando aos seus
Relance e me esqueço, desvio o rubor
Ignorava que as velas queimassem tanto
Pele pálida, cálida, que é sua
Descobre arrepios, faz contornos
Enquanto eu ardo e me martirizo
Quais tremores então o perturbam?
Qual de minhas faces é refletida?
A única delas, já agora me cansa
Não mais encanta nem mesmo a lua
Ainda se deixa prender docilmente
Assim, sorrindo, lê sua sentença
Mais uma se entrega... frágil inseto
Pura mente, e se perde com gosto
Em sopro suave, no gozo contido
Na delicadeza feroz de um estrela
De perfeição que é sempre imperfeita
E deliciosamente insatisfeita.

Das necessidades

quanta ânsia em um só monte
dourado-palha impressionista
começo de inverno se insinuando
nuvens secas no céu poluído
felicidade pairando em cimento
como pequena maçã mordida
só coisa errada, meu Deus!
e eu, precisando apenas de um passo
flutuo entre o abismo e a esperança
quando um café já me bastaria